IMPLICAÇÕES DA PÁSCOA PARA OS CRISTÃOS

03/04/2021 15:57
 
Para os cristãos, a Páscoa é um símbolo de alegria e da esperança presente na ressurreição de Jesus. É essa esperança, aliás, que nos ajuda a enfrentar a dureza do mundo. Trata-se de uma das mais importantes afirmações da fé cristã: Deus se faz presente, não como uma divindade distante e, por isso, insensível, mas como Emanuel, Deus conosco, que compartilha da nossa dor e assume a cruz como lugar revelador do Seu amor. Não é por acaso que o apóstolo Paulo relaciona todo conteúdo de sua pregação à ressurreição de Jesus. “Se Jesus não ressuscitou”, afirma o apóstolo, “é vã a nossa fé e somos os mais miseráveis de todos os seres humanos” (1ª Co 15.14,19). De forma menos rebuscada, mas igualmente profunda, Riobaldo Tatarana, personagem de O Grande Sertão Veredas, reconhece: “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra” (ROSA, G., 1980, p. 48)"
É disso que trata a Páscoa. Dessa esperança que torna o milagre da vida algo perceptível aos nossos sentidos. Mais que um feriado religioso, a Páscoa é afirmação divina de não desistência, de amor constante e ininterrupto, de um Jesus que “tendo amado, amou até o fim”. É claro, contudo, que a Páscoa não fala apenas da morte e ressurreição de Jesus, mas aborda sua vida inteira. O Cristo que oferece sua vida até à cruz é o mesmo que se entrega em serviço e em amor desde o início de seu ministério. A proclamação do reino de Deus, as curas, as parábolas, os milagres, o compartilhar da mesa, tudo em Jesus faz referência clara e direta ao amor do Pai que sempre nos aguarda para a festa e a essa oferta divina que insiste em caminhar conosco na viração do dia.
Se é tão central à fé cristã, então a Páscoa deve produzir muitas consequências para a nossa vida. Quais são elas? Que implicações essa festa da ressurreição nos apresenta? Em que ela nos responsabiliza?
A Páscoa nos responsabiliza a lutarmos contra impérios opressores que têm na violência a única resposta aos dilemas humanos. Ela nos conduz a reafirmar a força do amor – mais poderoso que a morte! – como poder sobre os caminhos violentos de quem utiliza Deus como justificativa para expressar toda a morte e sequidão de alma. Lembremos, irmãos e irmãs: a cruz é uma pena romana destinada a gente acusada de terrorismo contra o Império. Jesus foi crucificado porque, em algum momento de sua vida, a sua mensagem foi considerada um risco ao status quo político, econômico, social e religioso. Portanto, opor-se às injustiças do Estado (e não se render a ele em troca de poder) é dever de quem leva a Páscoa a sério. Afirmo com todas as letras: não é possível celebrar a Páscoa e os torturadores de ditaduras passadas ou atuais ao mesmo tempo! Seguidor de Jesus não festeja ditaduras nem se senta à mesa com quem celebra torturadores!
A Páscoa nos implica em ver Deus como Ele mesmo se revela a nós: Deus Emanuel, Deus conosco, presente em todos os momentos de nossa vida. Implica dizer que Deus está presente nas nossas sextas-feiras de cruz, de dor, de derrota, de desânimo. Está presente mesmo quando, diante dos milhares de mortos no país hoje, gritamos “Deus meu, por que me abandonaste?”, como fez seu Filho na agonia da cruz. Está presente mesmo quando exclamamos “Até quando gritarei ‘VIOLÊNCIA’ e tu não me escutarás?”, como fez o profeta Habacuque. Deus está presente mesmo quando, cansados, perdemos o ânimo para viver, temos sede e não nos sentimos saciados, sofremos zombaria e perseguição e nos perguntamos se vale a pena continuar a caminhada. Mas como se mostra essa presença, poderíamos perguntar? A verdade é que, ansiosos por um deus ex-machina, que magicamente resolva nossas questões complexas, temos junto a nós um Deus poderosamente discreto. Ou, como novamente diz Riobaldo, um Deus “traiçoeiro”.
“Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre” (ROSA, G., 1980, p. 21)"
Deus também está presente em nossos domingos de ressurreição, quando nos reencontramos com nosso Mestre, vivo, que nos transmite sua paz. Deus está presente nos momentos em que, movidos pelo seu Espírito, somos chamados a testemunhar, até o martírio se for preciso, do seu amor de Pai. Deus está presente em nossa comunhão com nossos irmãos, quando compartilhamos a mesa do pão e do vinho em santa alegria.
E Deus está presente nesse hiato existente entre esses dias. Entre a sexta-feira da cruz (símbolo da maldade e injustiça humanas e da opressão de um Império que, em nome de sua PAX condenava à morte muita gente), e o domingo da ressurreição (do túmulo vazio, dos discípulos num misto de confusão e alegria por rever Jesus, vivo diante deles) nós nos encontramos com um Deus-Emanuel.
Somente um Deus-Emanuel torna-se fonte de esperança para a vida e sentido para a Páscoa. Sendo assim, é a alegria da Páscoa que preenche a vida de esperança, mesmo em meio ao sofrimento e à dor. É a ressurreição de Jesus que fornece esperança à história humana. A cruz representa assim, paradoxalmente, tanto a experiência da dor e da sensação de abandono (“Deus meu, por que me abandonaste?”) como a segurança da fé e da esperança (“Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito”). E a ressurreição assegura tal esperança na vida. É essa certeza que o Ressuscitado suscita à igreja que mantém o ânimo na caminhada, mesmo em meio às descrenças, crises e dores.
Que a Páscoa possa trazer a nós essas consequências.
Uma abençoada Páscoa para você e sua família!
Petrópolis, 03/04/2021
Marcio Simão de Vasconcellos
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 14ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980

 

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