Mensagem

 

CASTELOS DE CARTAS E TEOLOGIAS SISTEMÁTICAS

 

O menino se esforça para colocar as últimas cartas do baralho em seu castelo formado exclusivamente por elas. Equilibrá-las é uma arte difícil, mas ele teve bastante tempo para treinar, e, hoje, seu castelo de cartas é lindo de se ver.

 

Mas o vento vem, rápido e repentino. E, num instante quase imperceptível, todas as cartas, demoradamente arrumadas, caem ao chão e são levadas pelo vento.

 

E assim, castelos de cartas são derrubados por novas visões de mundo.

 

Se caíram, será correto afirmar que não tiveram validade?

 

Penso que não. Antes, vale lembrar que são estes castelos que nos carregam e protegem durante a vida. Castelos, ainda que de cartas, são casas queridas para muitos.

 

Porém, castelos podem se transformar em prisões. Castelos de cartas viram prisões quando não se consegue mais sair deles. Quando se tem medo de que um vento repentino os derrube, demonstrando que sua construção não estava tão firme como se pensava. Quando a voz alheia, por ser diferente - mas, não são todas vozes diferentes? Não clamam com tons distintos? - ameaça a paz do castelo de cartas, seus moradores levantam portões, pegam em armas e lutam contra os invasores. E quando os castelos de cartas caem ao chão - e eles sempre caem, tenha certeza disso - seus ex-moradores se arrepiam com o vento frio da manhã, fora das muralhas em que viviam e se assustam.

 

O que fazer, então?

 

Alguns se revoltam. Castelos caíram, dizem, nervosos, por isso, nunca mais construirei nada pra viver. Melhor ser solitário no deserto. Melhor não olhar para o outro. Melhor não ouvir seus questionamentos, nem agüentar seus delírios. Melhor é culpar o vento, cruel e insensível, que derrubou nossas casas-fortalezas. Estes revoltosos são os que se cansam, se enfastiam da vida e da teologia, e que morrem cedo, vítimas de sua amargura.

 

Outros, por sua vez, não encontram novas forças para reconstrução. O que fazem é assaltar castelos alheios, entrar por suas portas, invadir suas fortalezas, e dizer "Encontramos nova casa!". Mas, será que esta nova casa pode ser chamada de nossa? Castelos de outros, que são tomados à força, não geram moradia e lar. Geram mausoléus, repletos de idéias vazias e ilusórias. Funcionam para os outros, seus reais moradores, mas será que funcionam para nós, invasores enlutados?

 

O que fazer, então?

 

Como conseguir novo lar?

 

Talvez, o primeiro passo seja anunciar, em plena voz, com lúcida clareza, que castelos de cartas só são lares e só servem de moradias quando sua temporalidade é assumida na história. Chega de levantar castelos de cartas que não podem ser derrubados! Eles não existem para isso! Antes, suas cartas são maleáveis, livres para voar ao sabor dos ventos. Talvez, possamos adotar a corajosa atitude de render-se aos caprichos do vento. Sejam suaves cicios, sejam furacões tempestuosos, o vento vem e sopra onde quer. Os castelos de cartas e seus moradores provisórios não sabem de onde ele vem, nem para onde vai. Mas isso não os impede de sentir na pele o toque constante e transformador de seu efeito.

 

Então, talvez o melhor seja deixar-se levar pelo vento. Ele sabe como soprar, o que derrubar, o que manter. Nós, não.

 

Teologias sistemáticas são como esses castelos de cartas. Um vento mais forte pode derrubá-las. Mas isso não é algo ruim. Como se reconstrói um castelo de cartas, melhor e mais bonito com o passar do tempo e com novas tentativas, uma teologia constantemente reconstruída também é mais bela e eficaz. Quando o vento sopra por entre os conceitos teológicos de determinado sistema, ele leva as impurezas e traz vida nova.

 

Teólogos, profissionais ou não, deveriam lembrar-se disso.

 

Marcio Simão de Vasconcellos