FARISEU QUE É FARISEU
Segundos os evangelhos, Jesus se irritou profundamente com uma classe de pessoas. Não, Jesus não se irritou com os pecadores. Estes sempre foram acolhidos na mesa do Mestre a tal ponto que o próprio Jesus foi acusado de ser amigo de pecadores e publicanos. O alvo da raiva de Jesus eram os religiosos, especialmente os fariseus. O evangelho de Mateus apresenta uma dura descrição desse grupo feita por Jesus (cf. Mt 23). A esse grupo, Jesus diz coisas como: “Raça de víboras! Serpentes! Como vocês escaparão da condenação do inferno?”. Ao que parece, o jeito de ser dos fariseus incomodava profundamente o Mestre de Nazaré. Por isso, é preciso perguntar: que tipo de pessoa é um fariseu?
Fariseu que é fariseu é aquele ser que conhece como ninguém o peso da religiosidade, não porque a leva em seus ombros, mas porque impõe sobre ombros alheios fardos impossíveis de se carregar. Consideram-se porteiros do reino de Deus, não entram e impedem que outros se aproximem. São pessoas profundamente interessadas no cumprimento das exigências da Lei, mas pouco ou nada comprometidas com o bem-estar e felicidade de homens e mulheres que os cercam. Colocam a guarda da doutrina, elevada a um nível atemporal, acima da preservação da vida das pessoas, num perverso paradoxo pelo qual a “sã” doutrina causa insanidade emocional, mental, psíquica, afetiva ou mesmo física. Não se interessam por Deus em si mesmo, mas apenas como instrumento de coerção e controle das consciências alheias.
Fariseu que é fariseu adora ser reconhecido como mestre pelas pessoas. Gostam de usar símbolos que remetam à sua autoproclamada santidade. Sentem irresistível atração por lugares de destaque, sejam cadeiras de Moisés ou lugares privilegiados. Veem a si mesmos como defensores da ortodoxia, especialistas no conhecimento teológico, transformado em saber esotérico reservado aos “iniciados”. Quando oram, falam de si para si; nunca estão abertos a Deus nem ao próximo. Valorizam sua imagem diante das pessoas, daí sua fachada bem cuidada e ornamentada; são sepulcros caiados que escondem a putrefação interior com a maquiagem da hipocrisia.
Fariseu que é fariseu tem a si mesmo em alta conta. Os outros são plebe, gente que supostamente nada sabe das coisas de Deus ou da Lei. Aliás, fariseu já nasce formado, conhecendo de antemão todas as questões teológicas. Olha os outros de cima para baixo. Sua soberba é (mal) disfarçada com intelectualismo frio e estéril. E com intolerância, muita intolerância.
Fariseu que é fariseu tem muito cuidado para não engolir mosquitos. É zeloso na análise do que come e bebe, dos detalhes corriqueiros da vida, das questiúnculas da Lei, mas ao mesmo tempo toma largos goles de camelos e elefantes. É hipócrita em sua acepção mais profunda. Fariseu que é fariseu sabe enxergar muito bem os ciscos nos olhos do outro, mas é incapaz de se perceber como alguém que também possui falhas. Sua miopia quanto a si mesmo o incapacita de ajudar quem quer que seja. Aliás, fariseu que é fariseu não quer ajudar ninguém.
Fariseu que é fariseu sabe disfarçar seu preconceito cheio de ódio chamando-o de opinião. Sabe julgar como ninguém os discursos alheios, que, por serem diferentes do seu, se encaixam na categoria de heréticos ou produtos de pessoas que, segundo afirmam, nunca conheceram a Deus de verdade. Seu julgamento revela seus preconceitos confundidos com zelo por Deus. Em nome de Jesus, repudiam pensamentos e pessoas com as quais, de antemão, não concordam. Usualmente falam de Deus como amor seguido de conjunções adversativas que renegam esta identidade divina. O “mas” e seus complementos jurídicos colocados depois da frase “Deus é amor” revelam que tipo de deus creem os fariseus: um deus vingativo, irado e justiceiro que não tem nenhuma relação com o Pai de Jesus.
Fariseu que é fariseu, aliás, sabe odiar muito bem. Odeia tudo e todos. Odeia a alegria de quem se sabe livre, odeia a liberdade de ser do próximo. Odeia pensamentos diferentes dos seus e odeia quem os formula. Odeia a ponto de desqualificar discursos alheios em defesa de minorias só porque discorda deles. Odeia viúvas, símbolo bíblico dos mais necessitados e oprimidos, devorando suas casas, literal ou metaforicamente, sob o pretexto de liturgias e orações. No final, odeia a si mesmo, pois o que odeia nos outros acaba sendo suas próprias sombras projetadas no próximo.
Este fariseu também se esconde em cada um de nós. Em nossa relação com os outros, em muitas e variadas ocasiões somos farisaicos, intolerantes, perversos e chatos. Tal como o filho mais velho da parábola do Filho Pródigo, contada por Jesus, quebramos relacionamentos (este “teu” filho que não é meu irmão) enquanto lançamos contra o Pai, dedo em riste, toda nossa insatisfação de estar em sua casa. O lamentável é que o fariseu em nós suplanta nosso discurso de amor, nosso desejo pelo reino do Pai. O fariseu em nós não aceita que aqueles e aquelas que não se esforçaram como nós recebam o mesmo denário que nós também recebemos da parte do Senhor da vinha. O fariseu em nós cria imagens deturpadas de Deus, transformando o Abá de Jesus num deus mesquinho – assim mesmo, com letra minúscula – pois retrata todo egoísmo, egocentrismo e maldade farisaica.
Qual a cura para o fariseu? Somente uma: um encontro real com o Cristo que humaniza o ser e o leva a encontrar-se consigo mesmo e com o outro. A estes fariseus (e também a nós), o convite de Jesus é o mesmo feito a Nicodemos: é preciso nascer de novo! Somente assim, se entra no reino de Deus; somente assim, torna-se criança que enxerga a vida com olhos limpos e libertos; somente assim, se é curado da doença do farisaísmo, e somente assim é possível ver o mundo com os olhos do Mestre.
Petrópolis, 11 de julho de 2016
Marcio Simão de Vasconcellos