JOÃO NINGUÉM

25/03/2011 15:34

João Ninguém era um mendigo. Andava pelas ruas da cidade, buscando encontrar algo de bom para comer. Acordava cedo. Nas ruas, acordar cedo era garantia de lucro, de se encontrar nas lixeiras algum alimento. Quem sabe, um sanduíche recém jogado no lixo? Ou ainda (maravilha!) um pouco de cerveja, dentro de alguma latinha ainda fechada...

 

João era chamado de vários nomes, nunca o seu. “Vagabundo!”, “imundo”, “tarado!”. Estes eram alguns de seus nomes mais comuns. Na verdade, eram tantos nomes que João nem se lembrava mais do seu. E ainda havia aquele outro nome, dado por aquela gente bonita que freqüentava a igreja da esquina: “Pecador!”. João não sabia direito o que essa palavra significava. Só sabia o que ela o tornava. Alguém que não deveria encarar aquelas pessoas da igreja por muito tempo. Que deveria saber seu lugar; e buscar se consertar com Deus antes de atravessar os portais daquele lugar santo.

 

Um dia, João parou em frente a esta igreja. Do seu interior podia ver luzes e ouvir sons. Uma voz linda (muito mais bonita que qualquer voz daqueles que rodeavam João) se elevava cantando um hino. João se esforçou para ouvir a letra, mas temia que sua presença fosse notada por aquela gente bonita. Por isso, só pôde escutar algumas frases da canção. “Tudo, ó Cristo, a Ti entrego, tudo, sim por Ti darei”.

 

Ao sair daquele lugar para sua casa-rua, João foi pensando em Deus. Nunca havia ido à igreja, com exceção daquela vez com sua tia, quando ainda era uma criança. Mas, depois disso, não encarava com simpatia a idéia de freqüentar recintos sagrados como aquele. Suas lembranças o levavam de volta àquele tempo de criança. Lembrava-se de permanecer quieto durante o culto, especialmente, quando o pastor falava. Sentada ao seu lado, sua tia, com um olhar, o vigiava, prometendo, em troca do bom comportamento, a recompensa fiel: doces da loja em frente à igreja.

 

Como estava absorto em seus pensamentos, João não percebeu os dois homens até que fosse tarde demais. Num segundo, havia pontapés e socos vindo em sua direção. João caiu, o gosto de sangue em sua boca, a cabeça doendo terrivelmente. Os dois homens o revistaram e se frustaram com o nada que encontraram. Talvez por essa razão, João continuou sendo surrado até ficar quase morto, coberto de sangue e feridas.

 

João estava caído na beira da estrada, perto da igreja onde havia ouvido a canção. Estava sangrando muito, aparentemente, com algumas costelas quebradas. Ainda assim, conseguiu ouvir o falatório que anunciava o fim do culto, e perceber o movimento de gente vindo em sua direção. Talvez alguém o ajudasse. Com muita dor, João viu um grupo de pessoas sair da igreja e caminhar pela calçada, onde parte do seu corpo havia sido jogado. João logo se imaginou sendo amparado e cuidado por mãos e rostos amorosos.

 

As primeiras pessoas que passaram ao lado de João foram dois senhores, conversando animadamente. Um tentava convencer o outro de qual seria o papel social da igreja na sociedade moderna. Deveria ser apenas um lugar de ensino da moral cristã ou também deveria se envolver politicamente? Palavras como “missão eclesiástica” e “agenda social da igreja” aproximaram-se, ecoaram na mente de João, e se afastaram aos poucos de onde ele estava. Aparentemente, não o tinham visto.

 

O próximo a passar foi um homem que vinha cantando baixinho uma canção. João o tinha visto na igreja, dirigindo o momento dos cânticos. Quando passou, percebeu o homem caído no chão. Imediatamente, desviou o olhar, apressando o passo. Mas não parou de cantar. João pôde ouvir a música suave e doce se distanciando, enquanto tentava, desesperadamente, emitir algum som que chamasse a atenção do homem que se afastava. Outras pessoas também passaram por ele, algumas nem o percebendo, outras lançando rápidos olhares em sua direção. Nenhuma delas, entretanto, esboçava qualquer reação em favor de João. Numa fração de segundos, João percebeu que, de fato, alguns se incomodavam com sua situação, mas, simplesmente, não sabiam como agir. Aparentemente, não haviam recebido nenhuma instrução sobre o que fazer nestes casos. João percebeu, pela primeira vez em sua vida, que amor não praticado significava amor não vivenciado. A última lembrança de João antes de perder sua consciência foi a de ver as luzes da igreja se apagando.

 

João foi encontrado no dia seguinte, às cinco e dez da manhã, por um jovem estudante que ia em direção à Universidade. Assustado, o jovem chamou a polícia que, oficialmente, declarou a hora da morte de Ninguém: três horas antes, naquela madrugada, devido a ferimentos múltiplos que foram seriamente agravados pela gangrena provocada pelo frio da noite. Os policiais não conseguiram identificar o homem conhecido como João. Seu enterro foi exageradamente simples, e, por fim, João tornou-se, ainda mais intensamente, um Ninguém na memória coletiva dos habitantes da cidade.

 

Marcio Simão de Vasconcellos

Tópico: JOÃO NINGUÉM

Quatro paredes do templos

Data: 09/03/2012 | De: Sem. Liana Souza

É muito fácil viver nas quatro paredes do templo: orando, adorando, lendo a Bíblia e, esquecer que há um mundão lá fora que precisa de ajuda, cura... Infelizmente muitos critãos seguem os encinamentos de Jesus!

o que se tem

Data: 20/11/2011 | De: Leide Vania

Realmente o que existe é uma sociedade eclesial sem ação!!!

Secularização da fé

Data: 22/10/2011 | De: José Carlos Reinoso

Infelizmente muitas das vezes o exercito de Deus abandona seus feridos e vemos muitos "João ninguém" dentro dos templos, não sendo notados pela "elite da igreja".

resposta a esta sociedade sofrida

Data: 11/05/2011 | De: mosetek@yahoo.com.br

gostei do texto, ouve uma discussão do serviço social na Igreja, a pergunta era: temos uma resposta para a sociedade sofrida? ...

Ação Social

Data: 01/05/2011 | De: Ronildo Brites

Que dia singular para se ler o texto do João. Hoje é o dia da Ação social no meio batista. Infelizemente, temos o dia, temos o social, mas nos falta a ação.
Parabéns pelo texto.

falar é facil

Data: 14/04/2011 | De: ninguem

texto show de bola eles tem pregado o que não vive, falar é facil quero ver na pratica. só faltava vim um espírita ou um católico ou quem sabe um testemunha de JEOVÁ e ter ajudado JOÃO.

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