Mística cristã: espiritualidade do humano

13/06/2012 19:06

MÍSTICA CRISTÃ: espiritualidade do humano

 

 

Texto escrito a partir da leitura de Experiencia del Espíritu – Karl Rahner

 

MÍSTICA: ESPIRITUALIDADE DO HUMANO

A experiência mística com Deus não nos leva a uma espiritualidade desencarnada que, por sua própria característica, torna-se desumana. Antes, somos mais plenamente humanos quanto mais nos abrimos à possibilidade da experiência madura com Deus. Tal experiência não pode ser descrita integralmente, ainda que sua integralidade fale alto ao profundo do ser. Como diz Rahner, alguns comprovam, não sem sofrimento, que suas idéias mais penetrantes e suas operações de pensamento mais intelectuais se desmoronam”[1] e que “a multiplicidade das perguntas não se acaba”[2]. Não se pode definir o Mistério, da mesma maneira que não se pode manipulá-lo.

A impossibilidade da linguagem em apresentar Deus – como que engaiolado porque definido/confinado – não é mera questão linguística. Os escritos místicos traduzem esta realidade. Vemos, por exemplo, na(s) tentativa(s) de Santa Tereza descrever a sua experiência de Deus: as palavras lhe escapam, não porque a sua experiência se deu com algo abstrato demais para ser descrito, mas sim porque foi uma experiência com algo tão real que as palavras tornam-se insuficientes. Toda imagem de Deus é, por isso mesmo, apenas um símbolo. Todas as falas humanas sobre Deus fracassam em defini-lo. Contudo, tal fracasso expõe não a impossibilidade de se ter relacionamento com Deus, mas sim que esse relacionamento ocorre no silêncio humano. Silêncio que escuta, que permanece silencioso em meio às palavras de Deus, e que demonstra, de forma mais clara que infinitas palavras, o amor e a misericórdia de Deus que vem a nós.

De forma aparentemente paradoxal, quando o escritor da primera carta joanina quis descrever a Deus, uma única palavra tornou-se suficiente: amor. Deus é amor[3]. Mas isso não esgota o ser de Deus, pois o amor se revela na relação e no ato salvífico de Deus para com o ser humano, plenificado em Jesus. Em termos bíblicos, isso significa dizer que o amor se liga à praxis de forma íntima e perfeitamente harmônica. Falar do amor cristão é falar da prática da justiça que caracteriza o reino de Deus.

Por isso, a espiritualidade mística cristã parte de Cristo, tanto de sua morte na cruz e sua ressurreição, como também de sua vida e ministério. Nesse sentido, o sangue da cruz é tão redentor quanto o suor ou as lágrimas de Jesus durante sua vida. O amor que Ele sente ao pedir perdão a Deus por aqueles que o crucificam é o mesmo sentido diante do túmulo de Lázaro, ou diante da mulher samaritana, ou diante dos leprosos que são tocados, ou diante do grito de Bartimeu... enfim, toda a vida de Jesus é cheia da experiência do Espírito. Por isso, não se pode haver qualquer tipo de separação neo-platônica entre as dimensões espiritual e terrena. Uma se revela na outra, e a outra se plenifica na primeira. São dimensões indivisíveis. Poderíamos dizer ainda que o Cristo ressuscitado (alguém poderia dizer: o Cristo “espiritual”) que aparece aos discípulos nas margens do Mar de Tiberíades[4] é o mesmo que afirma: “A minha alma está profundamente triste até a morte”[5]; em outras palavras, espiritualidade mística cristã caminha lado a lado com os ápices da alegria diária (por se saber como amado e cuidado por Deus) e com o medo das trevas, insuportavelmente escuras, onde não se vê mais a presença de Deus, onde se questiona por que se foi abandonado, mas onde, mesmo assim, se espera que o “riacho encontre, sem que se saiba como, a largueza sem fim do mar, mesmo quando está oculto a seus olhos por dunas cinzas que se estendem diante dele”[6]. Em tudo isso, como termina Rahner, “aí está Deus e sua graça libertadora, aí conhecemos a quem nós, cristãos, chamamos Espírito Santo de Deus”[7].



[1] RAHNER, Karl, Experiencia del Espíritu, p. 50

[2] Ibidem

[3] I João 4.8

[4] João 21

[5] Mateus 26.38

[6] RAHNER, Karl, Experiencia del Espíritu, p. 50

[7] Ibid., p. 53

 

Por Marcio Simão de Vasconcellos

Tópico: Mística cristã: espiritualidade do humano

Nenhum comentário foi encontrado.

Novo comentário