Como sempre: memorável.
Estou por dentro do evento, a partir de hoje...hehehehe
O PAI PRÓDIGO
“Dá-me minha herança, velho!”.
O Pai ouviu aquela voz tão conhecida exigindo seus direitos de filho. Lembrou-se dos anos passados, em que o seu colo de Pai era tudo o que o menino queria. Lembrou-se das brincadeiras, travessuras, descobertas, dos afagos, beijos e abraços carinhosos que trocavam naquelas tardes de outono, onde o sol se punha num mosaico de cores no horizonte. Lembrou-se das confidências, dos segredos compartilhados, das percepções novas que um encontrava no olhar do outro. Pai e filho. Unidade em amor.
“Dá-me minha herança, velho!”.
O Pai lembrou-se dos choros noturnos, dos pesadelos que acordavam toda a casa. Lembrou-se das canções de ninar que acalentavam o coração do filho ainda pequeno. Lembrou-se das inquietações que povoavam sua imaginação infantil. “Deus existe, papai?” “Por que o céu é azul?”. O Pai lembrou-se de suas próprias respostas, algumas ainda em construção, atabalhoadas, e riu de si mesmo e de sua suposta sabedoria infalível.
“Dá-me minha herança, velho!”
O riso do pai morreu em seus lábios. Aquelas palavras doíam e seu coração chorava. O Pai lembrou-se dos descaminhos do filho. Lembrou-se dos seus conselhos paternos, ignorados e zombados. Lembrou-se das tentativas incontáveis de reabrir as trilhas para a alma do filho, de trazê-lo novamente para o colo, de ninar-lhe os sonhos, de fazê-lo descansar. Tudo vão.
“Dá-me minha herança, velho!”
E de repente – num único piscar de olhos – o filho não mais estava ali. A casa ficou vazia. Os cômodos feios, apertados e escuros. A alegria se foi, respirando anseios por novas descobertas, longe do lar. Por muito tempo, o pai relembrou as últimas palavras do filho. Por muito tempo, permaneceu olhando para a porta aberta, o coração apertado, os olhos úmidos. O que mais poderia fazer?
Todas as manhãs. O sol nascente atrapalhava sua visão, mas o Pai ficava na porteira, à espera do filho. Quem sabe? Talvez fosse hoje que o menino voltaria para casa... A manhã passava rapidamente e a tarde, quieta, silenciosa e pesada, se aproximava. Todas as tardes. E o Pai voltava à porteira. A noite fria trazia umidade que molhava os cabelos brancos do Pai. Ao som dos pássaros noturnos e sob a luz das estrelas que surgiam aos poucos no céu, o Pai ficava na porteira, à espera do filho. Todas as noites. Quem sabe?
O tempo passou, mas não sua esperança nem seu amor paterno. O Pai esperava dia após dia a chegada do filho querido. E um dia, isso aconteceu. Passos pesados, olhos cabisbaixos, semblante pesaroso. O filho voltava para casa. Sem esperar, o Pai correu para o filho. Estava mais magro, o Pai percebeu, num misto de alegria pela volta e preocupação com seu bem-estar. O filho ergueu seus olhos e disse, numa voz cortada e trêmula, seu discurso ensaiado há dias.
“Pai, sei que errei. Aceita-me como teu escravo.”
O Pai enxerga para além das roupas sujas e encardidas do filho. Vê além do mau cheiro de porcos e chiqueiros. Vê além das auto-justificativas, dos erros confessados, e da falta de confiança em seu amor paterno. O Pai vê e enxerga. Enxerga o filho e não um escravo. Enxerga suas dores, suas crises, e o ama. Ordens são transmitidas. Anel real no dedo, sandálias novas nos pés, roupas limpas, festa e música enchem a casa outrora vazia. O filho está de volta! O filho está de volta! Meu filho voltou para casa!
Este é o Pai de Jesus Cristo. Um Pai perdido de amor por seus filhos. Um Pai que ama e que só sabe amar, sem limites, sem pausas e sem condições.
Marcio Simão de Vasconcellos