O PRIMEIRO NATAL E SUAS ESCOLHAS
“Onde nasceu o rei dos judeus?”, perguntaram aqueles magos do Oriente, com suas roupagens estranhas e sotaques bem diferentes dos falados em Jerusalém.
O local onde estavam era o palácio real, moradia de Herodes, o Grande. Lógico! Afinal, se alguém procura um rei, claro que deve dirigir-se a um palácio. E estes magos percorreram um longo caminho para desistir tão facilmente de sua busca pelo recém-nascido que era dono de uma estrela-guia.
Mas este rei nada sabia do menino que havia nascido. Inquieto, Herodes convocou os teólogos, pastores e bispos que o serviam diuturnamente no palácio e que compartilhavam das ricas acomodações reais.
“Diga-me agora!”, ordenou o rei, “Onde posso encontrar esse suposto ‘rei’ dos judeus?”
Ordem do rei é ordem de Deus para esses que vivem à sombra das riquezas palacianas. Não importa se o rei em questão usará essa informação para matar crianças. O importante é não perder o status social e religioso que aquele palácio lhes gerava. Os teólogos, pastores e bispos, então, relembraram seus estudos das Escrituras Sagradas, leram os profetas (tendo o cuidado para pular as partes que os ofendiam) e encontraram com clareza o local onde o menino iria nascer.
“Ó grande rei Herodes, nosso amo e senhor! O menino nascerá numa cidadezinha insignificante, chamada Belém. É o que diz o profeta Miquéias: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo Israel.”
Tivessem continuado a leitura e esses teólogos perceberiam que o Guia que apascentaria o povo faria isso por meio da paz e não da guerra, como Herodes costumava fazer. Mas teólogos, pastores e bispos palacianos não estão preocupados com a totalidade do texto sagrado; dão atenção apenas ao que lhes interessa de imediato.
Sabedor dessa informação, Herodes planeja o assassinato da criança. A teologia daqueles “sacerdotes reais” é o alicerce para toda a fúria mortal do rei. Suas argumentações teológicas serviram como argamassa para o discurso violento do monarca.
Mas que bom que magos pagãos são mais hábeis para escutar a voz de Deus do que teólogos e pastores imperiais! Avisados em sonhos, os magos, depois de terem adorado o rei bebê, retornaram para sua casa por outro caminho.
E os teólogos palacianos? Estes estão bem, obrigado. Alimentando-se da nababesca mesa real, não sentem nenhuma vontade de ir reverenciar o Messias recém-nascido. Quer dizer, não lhes falta conhecimento a respeito: eles sabem o local onde devem ir! Mas ir até a manjedoura implica em abandonar o poder real que o palácio lhes confere. E, afinal, o que eles – teólogos, pastores e bispos ortodoxos e litúrgicos – teriam para fazer numa manjedoura mal cheirosa, pequena e localizada na periferia? O local deles é ali, no palácio! É ali que eles podem cumprir sua vocação de serem porta-vozes da divindade!
O fato desta divindade não ter nenhuma relação com Jesus de Nazaré não lhes incomoda em nada.
E os teólogos, pastores e bispos seguem morando em palácios reais.
Enquanto o menino Jesus e seus pais são peregrinos em terra estranha.
Dentre tantas coisas, é disso que fala o Natal. A nós, que lemos essas narrativas hoje, também são oferecidas duas escolhas: ou nos juntarmos à família de Jesus nesta peregrinação por lugares periféricos, ou nos acomodarmos à luxuosa vida palaciana, a serviço do rei Herodes (ou outros que reproduzem suas práticas assassinas).
Natal é escolha.
Quanto a mim, escolho peregrinar com Jesus.
Em Petrópolis, na noite da véspera de Natal,
Marcio Simão de Vasconcellos