RELEITURAS TRADITIVAS PATRIARCAIS NO EXÍLIO BABILÔNICO - segunda parte

25/03/2011 16:58

Alguns alunos ficam perplexos quando mencionamos a possibilidade de existência de um Segundo Isaías. Nesta leitura, propomos uma construção teológica social das “massas” em meio às dores; é um contra discurso ao opressor babilônio em seu modelo de vida que causa em alguns israelitas escândalos e sofrimento (choque cultural).

 

 

O livro, que compreende os capítulos de 40-55, hipoteticamente fora escrito pela comunidade exilada na Babilônia. Para alguns autores, a alcunha de Segundo Isaías seria incorreta, pois seria uma profecia anônima, ou seja, são diversas vozes – plurivocidade - que ecoam para um único objetivo: dar plausibilidade aos cativos na babilônia, tendo como ponto de partida uma experiência, ainda que negativa (cativeiro), com a divindade IAHWEH e a partir deste ‘mysterium tremendum’ (OTTO) reconstruírem suas vidas; ou seja, é releitura da tradição associada ao caos presente. A atuação do Espírito de Deus – ruah – em meio aos cativos fora primordial para a leitura teológica da necessidade do arrependimento frente à Javé. Esta ruah da parte de Javé é que age existencialmente na vida dos sofredores e os faz sujeitos reagentes (cf. Prof. Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro em www.ouviroevento.pro.br), ou seja, homens e mulheres que não aceitam o estranho principalmente em meio à dor, mas que propõe a mudança na forma de esperança por intermédio da tradição que é refeita pela ação do Espírito de Deus. A ruah de Deus é tanto participativa na criação de todas as coisas – cosmogonia/antropogonia - como atuante constantemente na vida de homens e mulheres. Assim, o Espírito de Deus não age somente na criação do cosmos e do homem, mas continua a agir existencialmente na vida humana, dando-lhe possibilidade de reflexão em meio ao universo plural que habita. Aqueles que releram suas tradições chegaram à conclusão de que o exílio fora determinação de Javé em função do não cumprimento da Torá/instrução. Aqui, necessitamos levar o nosso foco para outro ponto da análise.

 

Judá/Jerusalém seria, em nossa construção, uma espécie de metrópole em nossos dias atuais. Explico: excetuando as proporções de ordem geográfica, populacional etc., há muitas semelhanças entre a Jerusalém/Judá do exílio e algumas das grandes cidades de hoje. Através do texto bíblico do livro de 1 Reis capítulos 9ss, compreendemos que por intermédio de Salomão há uma explosão econômica devido as inúmeras alianças e tratados de comércio com outras nações. Judá, antes do cisma político (a divisão dos reinos norte e sul), desfrutou de um ‘milagre econômico’. Se existia um centro de poder, este era o império nas mãos de Salomão, entretanto algumas de suas atitudes fizeram com que Javé retirasse o reino de suas mãos e o entregasse ao seu funcionário Jeroboão. Após a morte de Salomão, Roboão assume como o herdeiro legítimo ao trono, Casa de Davi. Todos estes indícios nos remetem ao Êxodo de que Javé é o Deus dos necessitados, ouve o clamor dos pobres!

 

Embora tal tradição, possivelmente sabida por Israel, inclusive a elite palaciana, a justiça que deveria ser praticada por intermédio da Torá aos ‘sedentos’ jamais fora realizada em plenitude pelas mãos dos monarcas. Ao que parece, o Templo em Jerusalém também caminhava conforme as atitudes do palácio. O templo não estava direcionado para a atuação da justiça divina na vida das minorias, mas conforme a ideologia palaciana salomônica. Mais tarde, a tradição israelita, quando reconta sua história, compreende que a destruição do Templo em 587 a.C representa a ‘mão de Deus’ frente a não prática da justiça divina. IAHWEH causa, segundo a História de Israel, a destruição do Templo em virtude de sua inoperância. É o que a ruah de Javé demonstra quando os cativos reinterpretam sua história e procuram um motivo para o fato ocorrido. Na verdade os cativos da babilônia constituíram a elite antes da queda do reino em 587 a.C. Somente quando a elite ocupou o lugar dos pobres e tornou-se ex-elite, é que houve plenitude da atuação da ruah de Javé. Foi necessário ocupar o lugar do sofredor, viver como ele, identificando lacunas na prática da vida dominante que deveria agir em prol da ‘massa’, o camponês, agricultor de Israel. A queda do Templo leva consigo toda a monarquia que o manchava. Desta forma, a ‘aparente derrota de Javé’ consiste na verdade, castigo de Deus frente aos desmandos de sua lei. O outrora Israel dominante necessita aprender a viver como pobre em terra estranha, conforme seus ancestrais no Egito, para que seu clamor e sua releitura histórica traditiva resulte em profecia plausível que indica a saída do cativeiro pela paga dobrada de seu grande pecado. Is. 40.

 

A monarquia levada para a babilônia teve que rever seus conceitos e entender que sua ideologia de compreensão dominante centralizadora que apresentava Javé distante dos pobres não estava em uníssono com a ruah de Criador. À medida que se tornaram excluídos socialmente, o Espírito de Deus se ‘moveu’ em direção as suas súplicas, pois é mais comum que as súplicas venham dos necessitados do que daqueles que tudo possuem materialmente. A ruah divina se apresenta como resposta aos pobres, é o Espírito de Deus atuante na vida de todo aquele que clama por justiça divina. 

 

Lucio Avellar

 

Tópico: RELEITURAS TRADITIVAS PATRIARCAIS NO EXÍLIO BABILÔNICO - segunda parte

Nenhum comentário foi encontrado.

Novo comentário